Brasileiros e americanos lidam com o sobrenatural de forma bem diferente. Em conversas, folclore, cinema, programas de rádio, livros… Um exemplo peculiar desta diferença cultural é a indústria de “haunted tours” (“turismo assombrado”) que explora visitações turísticas a localidades de atividade paranormal nos Estados Unidos.
São uma presença notável em cidades turísticas de patrimônio histórico como pano de fundo. No Brasil, é praticamente inexistente (se limitando a uma firma na cidade de São Paulo). Nos Estados Unidos, algumas agências chegam ao ponto de se especializarem tematicamente: turismo de fantasmas de mafiosos, de marinheiros, de mineiros, – de acordo com o passado da localidade.
Em bairros de visitação histórica, cartazes levam a agências que organizam “haunted tours” com uma agenda regular. São eventos noturnos que duram cerca de duas horas. Com tíquete de 20 a 50 dólares, um tour pode se dar através de uma caminhada informativa ao longo de ruas e prédios antigos, ou em transporte de van no caso de uma rondada mais distante. Na hora marcada, o grupo de turistas (10 a 15 pessoas em média) parte com o guia turístico.
Estes profissionais são geralmente jovens de personalidade expressiva. Frequentemente vestidos em trajes antigos, possuem dons comunicativos e até teatrais. Sobretudo, são excelentes contadores de casos, cativando o grupo com estorias que incluem o suspense e o humor. Piadas sobre situações sobrenaturais aparentemente aliviam a certa tensão entre os turistas envoltos em uma temática que é envolta no macabro e misterioso.
O passeio inclui visitas a lugares antigos em horas de pouca visitação, geralmente praças públicas, casarões, hotéis, jardins de igrejas, assim como cemitérios, e mesmo bares antigos. Vale ressaltar o caráter secular do “haunted tour”: não há preparativos religiosos (como orações ou rezas), nem menções à crenças espirituais (como “ataques” ou “assédios” espirituais). O guia turístico apazígua receios com observações tranquilizadoras, pedindo otimismo e leveza, e mantendo-se neutro, nunca fazendo comentarios religiosos. Estão mais para a parapsicologia do que para a religião.
Os guias contam casos de fantasmas baseados em pesquisas biográficas e históricas, intercambios com outros colegas, e relatos de residentes, jornalistas ou historiadores locais. Ainda que sejam estorias sobre indivíduos e situações passadas que realmente existiram, há curiosamente uma recorrência nos relatos, indicando uma tipologia de fantasmas. Entre os tipos mais comuns nestes tours e folclore de fantasmas norte-americano, se destacam:
- Comerciantes materialistas que cometeram suicídio
- Mulheres invejosas que envenenam homens
- Crianças que morreram dentro de casa com doenças infecciosas
- Amantes que morreram apaixonados por amores impossíveis
- Piratas enforcados em praça pública
- Indígenas traídos que amaldiçoaram comunidades de pioneiros
- Escravos maltratados que ajudavam fugitivos
Como atividade econômica, a questão é definir como este tipo de negócio poderia funcionar no Brasil. Grande parte da população tem familiaridade e mesmo interesse no sobrenatural. O país tem uma rica historia, com abundância de estorias interessantes sobre pessoas famosas e desconhecidas. E há muitos indivíduos de habilidade empreendedora. Enfim, é surpreendente que o turismo fantasma não tenha sido uma invenção brasileira!
Há duas grandes diferenças entre brasileiros e americanos que poderiam explicar a ausência do turismo fantasma no Brasil até o momento:
1) entretenimento: americanos tendem a ver o sobrenatural de forma menos reverencial. Brasileiros, influenciados pela tradição espírita ou neo-evangélica, veem o sobrenatural de forma muito séria e mesmo perigosa. Contar estorias de fantasmas em público é feito cuidadosamente, e com uma finalidade moral ou filosófica em mente, valorizando-se a higiene espiritual do individuo contra ameaças invasoras do além. Nos EUA, em contraste, o tema do sobrenatural é envolto em curiosidade engajada porém mais leve, de teor mais descritivo de cronicas, sem admonições moralistas ou teológicas.
2) comercialismo: americanos defendem abertamente que se deve cobrar por serviços ou produtos de teor espiritual ou sobrenatural. Em sua ética do trabalho, o empreendedor deve ser devidamente recompensado pelo tempo e energia dispensado, inclusive em atividades comerciais que mesclem diversão com o sobrenatural. O lucro é sinal de qualidade. No Brasil, contrariamente, há ainda uma forte tradição kardecista que proíbe ou vê como grande sacrilégio a cobrança monetária de serviços relacionados ao sobrenatural.
Um empreendedor brasileiro deve considerar estas duas diferenças. Quanto ao entretenimento, vai ter de escolher estorias e percursos mais respeitosos, de acordo com o decoro religioso brasileiro, e obter as devidas permissões de autoridades públicas e proprietários. Quanto ao comercialismo, pode considerar doar parte da receita para alguma caridade, como forma de apaziguar o moralismo anti-comercial do religioso brasileiro.
Além disso, o empreendedor tem que ser dotado de habilidades administrativas em turismo e marketing online, e preferencialmente falar inglês ou espanhol. Também de importância, tem que fazer a necessária pesquisa histórica, biográfica ou parapsicológica sobre os fantasmas da região, e conversar com residentes e historiadores. Finalmente, deve buscar seguir uma postura profissional adequada, talvez similar à formula norte-americana do “haunted tour”.
O que você acha do turismo fantasma como atividade econômica e histórica? Você consideraria abrir uma agência de viagens do além, ou conhece alguma firma oferecendo estes passeios no Brasil? Compartilhe a sua experiência abaixo.